miguel voava às noites, todas, e não se sabia bem disso. miguel era voante, e poucos notavam.
na verdade, eram bem nítidas essas levitações noturnas, quando ele quase soltava das vidas e dos dias, ele quase se mandava pelos ventos que lhe chamavam, com suspiros em seus ouvidos tão sugestionáveizinhos de dorminte, de voante. as pessoas nunca notam issos.
o cabelo lhe saía de controle fácil, era claro. quando saía da cama, nas manhãs, seus cabelos estavam outros, eram outras cores de outros cabelos porque eles haviam todos voado antes. eram matos novos lhe nascendo, eram algas, cabelos-algas porque ele voava tanto em suas noites que quase caía no mar, tomar uns banhos compridos de mar, já que de noite é tão bom, que nem respirar precisamos.
mas não só o cabelo. você cruzava na rua com miguel apressado, em seus afazeres diurnos, com o cabelo revolto já mais lento, você olhava os cabelos e falava "estão acalmando, estão desacelerando, estão quase dormindo". mas não só o cabelo.
as bochechas, sim! as bochechas de miguel: quando você cruzava com miguel na rua, e ele te olhava com olhos tortos (que olhar que miguel não tinha), as bochechas estavam inchadinhas, estavam mais róseas do que costume (mesmo que você nem tivesse o costume de ver miguel) elas eram tão um-pouco-mais rechonchudas do que você esperaria naquele rosto de passante. porque elas estavam cheias de líquido, que miguel bochechara à noite em algum canto, que ficara-lhe cheio e ele precisava esvaziar. miguel às vezes cuspia, às vezes babava muito cochilando nas ocasiões.
falei do olhar dele, mas o olhar é tão miguel que só fica assim, era mais um olhear de miguel.